Não.
Próxima pergunta?
Hã? Quer mais detalhes? Tá, tudo bem. Olha, eu sou um fã do Linux e passei meses vivendo exclusivamente no Ubuntu Budgie. Gostei tanto dele que, apesar de ter voltado ao Windows 10, ainda mantenho uma máquina virtual só com o sistema para brincar de vez em quando. Essa versão me permitia ter uma interface mais próxima ao macOS (que merece um post por si só) além das várias ferramentas legais do terminal, e se você é um usuário comum pode acreditar que o Linux vai trazer uma experiência com a menor fricção possível – e sem as atualizações inconvenientes e fora de hora do Windows.
Só que tem uma coisa, designers e artistas visuais não são usuários normais: passamos o tempo todo preocupados com visuais e usando equipamentos e softwares especializados para fazer nossas tarefas. E fazer o que fazemos no Linux exige não apenas paciência, mas um redesenho completo do modo de trabalhar, além de ter que aceitar inúmeras inconveniências do sistema operacional que simplesmente não podem ser resolvidas sem um conhecimento profundo de programação, scripts e/ou uso do terminal. Digo isso por experiência própria.
Resolvi então listar três perguntas para você refletir se vale a pena ou não migrar, e dar uma base melhor do que é viver no Linux sendo artista gráfico.
- Você depende de softwares que só existem no Windows?
- Você compartilha seus arquivos gráficos?
- Você depende de um tablet Wacom Pro?
Responder “sim” a qualquer uma delas significa pular fora do barco e continuar a viver feliz no mundo Windows/macOS, a menos que você tenha disposição a lidar com vários entraves e dores de cabeça só para dizer que usa um OS open source.
Abra um espaço na agenda e pegue um café, porque logo abaixo explico um pouco mais cada ponto e o texto ficou longo. Vai lá, eu espero.
Você depende de softwares que só existem no Windows/macOS
Você sabe quais são: Microsoft Office, Adobe Creative Cloud, Sketch, Affinity Designer. Eles são o que há de melhor na indústria, e vivem nos confins dos sistemas da Microsoft e da Apple. E é aqui que os apologistas vêm com meias verdades ou mentiras descaradas para tentar angariar usuários.
A mentira descarada: os softwares livres são tão bons ou melhores que as soluções comerciais. Pode espernear o quanto quiser, mas dizer que o GIMP é como o Photoshop, ou que o Inkscape substitui um Affinity Designer é ridículo. O GIMP mereceria um texto à parte – esse demônio já fechou na minha cara do nada, várias vezes, só porque eu tentei complexa tarefa de mudar a fonte no design que eu trabalhava. De todos os programas gráficos gratuitos que testei, dou crédito apenas ao Krita, porque as ferramentas são realmente poderosas, mas a interface confusa e nada customizável me fez desistir dele. Somos profissionais visuais, lembra?
Além disso, por mais legal que seja o LibreOffice, ele não é um Word nem roda minhas macros para geração de cobranças, sem falar nas várias planilhas de Excel com scripts para gerar relatórios que recebia dos clientes, e que ficavam totalmente desconfiguradas. “Ah, é só não usar Office”. Ã-hã. Vai dizer isso pro cliente cheio de prazos vencendo que precisa do material pra ontem. Tenho certeza que ele vai adorar ouvir seu discurso pró software gratuito, e como ele deveria mudar todo o parque de software dele para acomodar a sua necessidade de ter LibreOffice.
Já as meias verdades vêm dos discursos sobre o Wine e máquinas virtuais. O Wine, a grosso modo, seria uma camada de compatibilidade que permite rodar aplicativos Windows direto no Linux, sem emulação. Essa parte é verdade. O problema é que você não consegue rodar as atualizações mais recentes direito, apenas as versões antigas. Espero que você goste do Office 2007 e do Photoshop CS6, ou tenha paciência para testar e editar arquivos de configuração do Wine, além de lidar com bugs inexplicáveis que não existem rodando nativamente, como o Photoshop dar pau quando você tenta usar o Content Awareness Fill.
Certo, vou apelar para a máquina virtual então! Perfeitamente, você pode instalar o Windows e ter todos seus softwares instalados ali. Olha que maravilha. Mas se você precisa rodar o Windows de qualquer modo, pra quê se dar ao trabalho de jogar o sistema numa máquina virtual e sofrer com a perda de desempenho se você pode ter tudo rodando direto na máquina? Posso dizer que editar um arquivo de 2Gb no Photoshop em uma máquina virtual dá vontade de jogar a máquina real pela janela.
Não tem jeito, o desempenho é inferior. E eu sei que existe o tal do passthrough, aquele lance de deixar a máquina virtual se apropriar dos componentes do computador para agir como se fosse nativo, mas aí voltamos ao problema de ter que editar configurações complexas, perder tempo com inúmeros testes, e ter que lidar com o fato de que você vai rodar uma versão completa do Windows de qualquer jeito. Se é assim, prefiro ficar com o original sem dor de cabeça.
Você compartilha seus arquivos
Isso é o melhor exemplo duma “morte por centenas de cortes de papel”. Existem padrões mais genéricos como PDF, SVG e EPS que podem ser gerados e encaminhados para impressão sem grandes problemas. O enrosco começa quando você passa a receber arquivos PSDs e AI do cliente que só quer ajustar um leiaute ou usar como base para a criação, e nem sempre esses arquivos são importados direito, ou as fontes são convertidas em curvas na importação e você precisa digitar tudo de novo, e assim se vai mais tempo corrigindo e ajustando do que efetivamente editando.
O mesmo vale para documentos Office, nem sempre eles abrem sem problema. Já recebi arquivos com tabelas completamente zoadas, cores alteradas ou mesmo comentários cortados, e acaba-se perdendo tempo consertando o estrago.
Claro, a solução poderia ser uma máquina virtual apenas para lidar com importações e exportações, mas voltamos aos problemas que listei no ponto anterior.
Você usa uma mesa digitalizadora Wacom profissional
Esse ponto junta a injúria com a agressão, e foi a gota d’água que me fez abandonar o Ubuntu Budgie e voltar para o Windows. Ter uma mesa Intuos Pro e não poder usá-la direito não faz o menor sentido.
“Ah, mas o Linux tem suporte aos tablets da Wacom implementado no kernel”. Sim, tem, e os tablets da Wacom funcionam. Existe até um projeto open source dedicado a criar e manter drivers para essas mesas, e ele roda de maneira quase transparente: você pluga sua mesa e BAM, começa a usar a caneta – inclusive com a sensibilidade de pressão e inclinação funcionando.
O problema não é esse, e sim a completa ausência disso aqui:
Esse painel é coisa linda de deus, e serve para a maior e mais útil funcionalidade de uma mesa profissional, a criação de perfis específicos para cada aplicativo. Eu posso com isso ter uma combinação de botões e sensibilidade da caneta para o Affinity Designer que me permite fazer 90% das atividades sem tocar no teclado, e automagicamente ter uma nova combinação de botões e sensibilidade apenas por clicar numa janela diferente.
No Linux? Boa sorte. Você tem um conjunto de configurações e olhe lá. Eu até comecei a me aventurar em uma forma de automatizar as alterações mas desisti. Era meio que reinventar a roda, e sem garantia de sucesso satisfatório (sem falar na reca de pessoas que poderia ver o painel e começar a me cobrar melhorias. Sem tempo, irmão).
Resumindo
No fim das contas, não vejo qualquer vantagem em usar Linux. É muita dor de cabeça, falta de recursos e perda de tempo para conseguir o que se consegue com muito menos esforço no Windows. Mais, há muito tempo o sistema da Microsoft não é mais aquele sistema instável e bugado.
Agora, se você não concorda com nada do que escrevi aqui, vai lá. Pega uma distro, instala e boa sorte. Espero que sua experiência seja mais agradável que a minha.