Reflexões sobre duas rodas

Ou: como parei de me preocupar e decidi rodar 2000 km em uma Cafe Racer

Resolvi descer para a Serra do Rastro da Serpente em São Paulo e falhei miseravelmente. Nunca tinha feito uma viagem longa com a Elsa e resolvi tentar logo de cara uma de 3 mil km, talvez 4 se eu animasse em continuar. Chegando em Ribeirão Preto eu pedi as contas, botei o rabo entre as pernas e voltei devagarinho, pensando como era possível sentir tanta dor em todo o corpo e continuar rodando. Esses são os pontos que aprendi pelo caminho.

A Elsa, minha Cafe Racer (uma Continental GT 650) estacionada num posto de atendimento de uma BR

• Existe um motivo para uma Cafe Racer se chamar “Cafe Racer” e não “World Tourer”;

• Aquilo ali que ela tem não é um banco, é uma tábua;

• Invejei os tiozões que viajavam nas motos custom da vida;

• Menosprezei os mesmos tiozões que diziam como era sofrido rodar muitos quilômetros de moto e como eles eram guerreiros por fazer isso. Meu filho, tu tá num sofá de duas rodas. Sobe aqui numa racer pra ver o que é bom pra tosse.

• Gastei mais ou menos 7 litros a cada 160 quilômetros, o que me dava aproximadamente 22km/L de consumo;

• Com um tanque de 12 litros eu poderia teoricamente rodar 260 quilômetros antes dela parar, mas a cada 140 quilometros rodados eu já ficava ansioso atrás de um posto de gasolina;

• Moto refrigerada a ar ESQUENTA, principalmente se você se mantiver acima de 110 km/h;

• Falando de calor, meu celular foi meu GPS e ele cozinhou o caminho todo no suporte. Acho que a bateria dele nunca mais vai ser a mesma;

• Câmera no capacete, não use. O peso com o tempo cansa o pescoço e o vento joga a cabeça pro lado, ela cria muita resistência aerodinâmica. E além disso a bateria acaba rápido. Prenda na moto e ligue numa tomada USB;

• Aliás, não instalei tomada USB. Mantive o celular vivo com uma bateria de 20000mAh, durou as 10 horas e ainda saiu com carga;

• A BR-050 é a rodovia mais tranquila que já peguei, toda duplicada e em condições ok;

• A Anhanguera é a pista mais CHATA que já rodei, um retão infinito sem paisagem;

Essa deve ser a tal da Infinita Highway

• Os pedágios são um atraso de vida, muitos aceitam cartão mas uma boa parte só pagando em dinheiro. DINHEIRO. Feito um selvagem. Em pleno ano de 2024. E nem adianta tag, moto não pode usar – elas são ilegais em pedágios e os leitores não reconhecem.

• Muito caminhões pelo caminho, mas como a BR-050 é duplicada eles não foram problema;

• Odeio passar por Valparaíso e por Luziânia com todas as minhas forças, os motoristas dali são suicidas. Aumentei o tempo de viagem em 1 hora indo pela GO-436, mesmo estando estrupiado, para não passar por aquele inferno;

• Aliás, esse trecho da GO e o início da BR-050 foram os mais divertidos da estrada;

• Leve um borrifador com água e uma flanela para limpar as toneladas de insetos que vão se espatifar na viseira e na jaqueta;

Viseira limpa depois de muito esfregar, mas ainda com sinais do massacre no resto do capacete e jaqueta

• Parei em praticamente todos os pontos de apoio das BRs para me esticar e beber água, isso deve ter aumentado o tempo de viagem em pelo menos uma hora;

•Gastei 10 horas para ir até Ribeirão e 10 para voltar de lá. Foram 20 horas pendurado em cima de uma Cafe Racer;

• Meus braços ficaram dormentes durante o caminho;

• Minhas pernas ficaram dormentes durante o caminho;

• Fiquei com dores nas articulações e nas costas por três dias;

• Fiquei me perguntando no caminho por que diabos resolvi fazer isso;

• Mal posso esperar para fazer de novo.