Tenho certeza que vários já pensaram nisso, e não tenho medo de apontar a pintura, a escultura e o desenho como formas superiores e mais humanas de arte, pelo simples fato de todas respeitarem a individualidade do espectador. Você vê quando quer, e basta um virar de rosto para apagar a visão daquela pintura brega de um cavalo no pasto.
Já a música não respeita barreiras: ela destroça pessoas com a mesma facilidade que as empolga. Não adianta, aquele axé vai encontrar um caminho da caixa de som ao seu ouvido atravessando o ar, dois andares, as janelas, a parede, a porta, o travesseiro e o tampão de borracha que você tenta desesperadamente interpor na busca do silêncio.
Do mesmo modo o cinema, a televisão e a videoarte. Por precisarem do som para funcionar (nem tanto para a videoarte) ficam tão más quanto a música, e muito mais cruéis nas mãos de pessoas (e uso essa palavra com certa liberdade poética) que precisam mostrar o novo suporte do meio: um Home Theater/Microsystem da Aiwa/Pioneer/CCE/Sharp com 300 GigaWatts de potência. Essas criaturas pegaram a idéia do “se não sabe fazer bem, faça grande” e deram um novo sentido a ela.
A superioridade social da pintura é óbvia. Muitos já gritaram “Abaixo o som aí, ô”. Ninguém jamais disse “larga esse pincel aí, ô, tenho que trabalhar amanhã”. Imagine pessoas se contorcendo na cama porque o vizinho aplicou pela terceira vez o filtro Clouds do Photoshop. Pessoas na biblioteca irritadas porque a atendente acabou de comprar uma tela abstrata vendida no shopping por cem reais e deixou ela no carro. Olhos de visitas sangrando porque elas entraram na sala e viram aquele poster do Salvador Dali sobre o sofá. Não acontece, não acontece.