O reconhecimento do âmago no Umano H-inumano

Já teve paciência para ler um texto de exposição? Eu já. Por várias vezes me perguntei se aquele texto era mesmo daquela exposição. Já entrei na galeria todo animado atrás da coleção onde eu devia experenciar (sic) um retorno ao primitivismo humano, ao âmago do meu ser conflitando com minha infância, mas só vi umas latas de tinta riscadas por pregos, uns pedaços de madeira sujos de guache e uns soldadinhos de plástico colados no chão. Já pensei em abrir processo por propaganda enganosa mas só de pensar em ter que ouvir mais retórica do sujeito de boina e cavanhaque tive calafrios. Achei melhor fazer uma retirada honrosa e guardar o folder na lixeira.

Repare como a qualidade do texto acaba sendo inversamente proporcional à qualidade da obra. Ou nem isso: a exposição pode até ser boa mas o texto promete tanto uma reação pluri-extática transcedental que fico decepcionado por sair da galeria sem meus orgasmos.

O mesmo para justificativas de designers ao apresentarem suas novas marcas. Aqui o desenho remete aos valores fundamentais da empresa como seriedade e solidez, e passa um sentimento de alegria e receptividade tântrica exponencial a cada olhada. E ao olhar para o papel tudo que você consegue ver são dois traços azuis e uma curva suspeitamente parecida com a marca da Nike.

Há alguma vergonha em admitir que a arte – e porque não o design – se dá às vezes por felicidade do acaso? Por um conhecimento acumulado por anos que simplesmente saiu na forma de uma obra de arte ou de uma marca interessante, e que você não tem a menor idéia de como isso foi feito mas apenas sabe que funciona? Parece que sim, porque as explicações são não apenas mais presentes e mais constantes, mas mais bizarras e esotéricas. Não basta ser bom, tem que parecer bom, como se cada linha fosse cuidadosamente pensada, cada rabisco estafantemente redesenhado, tudo para defender o valor do trabalho daquela famigerada frase que diz “ah, até eu faço”, mostrando as teorias de Arnheim/Balzac/Rubinho Barrichello para justificar o vidro de talco de dois metros de altura feito com celofane.

Mas dada a qualidade (leia picaretagem) de uma leva enorme de artistas e designers, a quem vamos culpar?