• vida, universo e tudo mais

    Idéia para um filme

    Na tranquila cidade de Pandorga, seus cidadãos sobrevivem da construção de pipas de renomada qualidade. O que as tornas tão especiais é um tipo de bambu raro, muito leve e resistente, e que só cresce naquela região devido à composição química do solo, alterada por um cemitério de animais. Um dia um bando de hippies chega querendo cortar os bambus para fazer flautinhas, e mandam um dos seus, Avalon, para se socializar com os nativos e convencê-los a ceder o precioso material que eles chamam de Umbambutanium. Tarsila, filha do prefeito, recebe o forasteiro e mostra a importância do bambu para a economia da região, e como cultura e tudo mais está interligado, e o leva para soltar pipas. Eventualmente Avalon vira um exímio pandorgueiro e ganha o concurso de pipas da cidade. Apaixonado pela cultura e por Tarsila, Avalon se une à moça para juntos expulsarem os hippies da cidade em uma louca aventura.

    O nome vai ser, preste atenção, Ava e Tar. Acho que dá Cannes.

  • vida, universo e tudo mais

    Lembrete amigável

    Não é porque eu escrevo sobre alguma coisa que eu estou vivendo aquela coisa, nem porque eu postei algo nas redes sociais que tudo na minha vida se resume àquilo, nem o fato de alguém dar likes significar que eu vivo com essa pessoa 24 horas por dia. Essa distância e falta de interação ao vivo que a internet causa leva as pessoas a escrutinizar a areia da pulga de informação que pegam e criar mil e uma histórias a partir dali, tirando elas mesmas todas as conclusões possíveis e imagináveis, e, pior, ficando com raiva ou medo da própria fantasia que criaram. É por essas e outras que eu me arrependo de sequer mexer em redes sociais, todo mundo surta por bobagem.

    Quer saber como estou e o que faço da vida? Liga ou manda mensagem. Ou entra aqui e me chama se não tiver meu número nem e-mail. É mais legal e vai estressar menos, pode confiar.

  • vida, universo e tudo mais

    Ambicioso sim, que que tem?

    Você tem que ser ambicioso. Todos os grandes são ambiciosos. Ambição é bom, deixa o cara se dedicar à música que pretende ser a melhor de sua vida. Ou ao desenho que vai revolucionar os desenhos. Na pior das hipóteses ele não consegue nada disso e ganha experiência. Ou arruina sua vida e a da família por gerações. Detalhes, detalhes.

    É comum para artistas ou esportistas ou qualquer pessoa mais dedicada ser um pouquinho só ambicioso. Da Vinci era o mais ambicioso de todos, estudou muito e criou várias máquinas que revolucionariam o mundo se fossem construídas. Ou se funcionassem. Tipo aquele helicóptero, que parece um macarrão fusili.

    Acho que foi Kerouac que disse algo como “aqueles que querem mudar o mundo são aqueles que o mudam”. É um bom modo de se viver, achar que pode mudar o mundo. Faz você acordar mais disposto pela manhã e a se dedicar com mais felicidade ao trabalho. E acho que quem não é ambicioso não tem objetivo na vida, pensa que o que faz já está bom demais, e desdenha do maluco que passa quatro horas por dia em cima de uma mesa de desenho treinando o traço em vez de assistir o Domingão.

    Então é isso, seja ambicioso. É bom para a pele e fortalece os folículos capilares.

  • vida, universo e tudo mais

    Propagandas de xampu

    Mulheres de cabelos longo sorridentes no café da manhã. Vão de um lado a outro com as madeixas reluzentes, espalhando-as sobre os ombros com as mãos enquanto esperam a chaleira apitar. Servem o café jogando a cabeça de um lado para o outro, o cabelo voando sobre a manteiga, os pães.

    – Mããããããããnhêêêêêêê!!!!!!!!! Tem cabelo no meu cereaaaaaaaalll!

    – Sim, mas é um cabelo hidratado e sem pontas!

    Hmmmmrmrmrrrrrmgggggrmmmm… Não.

  • vida, universo e tudo mais

    Close to madness

    Volta e meia eu ouvia dois colegas de trabalho conversando em inglês. Estranhamente sentia uma vontade absurda de levantar com o dedo indicador em riste, um livro seguro pela outra mão próximo ao peito, e gritar “The BOOK is on the table! THE TABLE!”. Isso com uma entonação grave e dramática na voz, como quem profere palavras de grande sabedoria.

  • vida, universo e tudo mais

    O reconhecimento do âmago no Umano H-inumano

    Já teve paciência para ler um texto de exposição? Eu já. Por várias vezes me perguntei se aquele texto era mesmo daquela exposição. Já entrei na galeria todo animado atrás da coleção onde eu devia experenciar (sic) um retorno ao primitivismo humano, ao âmago do meu ser conflitando com minha infância, mas só vi umas latas de tinta riscadas por pregos, uns pedaços de madeira sujos de guache e uns soldadinhos de plástico colados no chão. Já pensei em abrir processo por propaganda enganosa mas só de pensar em ter que ouvir mais retórica do sujeito de boina e cavanhaque tive calafrios. Achei melhor fazer uma retirada honrosa e guardar o folder na lixeira.

    Repare como a qualidade do texto acaba sendo inversamente proporcional à qualidade da obra. Ou nem isso: a exposição pode até ser boa mas o texto promete tanto uma reação pluri-extática transcedental que fico decepcionado por sair da galeria sem meus orgasmos.

    O mesmo para justificativas de designers ao apresentarem suas novas marcas. Aqui o desenho remete aos valores fundamentais da empresa como seriedade e solidez, e passa um sentimento de alegria e receptividade tântrica exponencial a cada olhada. E ao olhar para o papel tudo que você consegue ver são dois traços azuis e uma curva suspeitamente parecida com a marca da Nike.

    Há alguma vergonha em admitir que a arte – e porque não o design – se dá às vezes por felicidade do acaso? Por um conhecimento acumulado por anos que simplesmente saiu na forma de uma obra de arte ou de uma marca interessante, e que você não tem a menor idéia de como isso foi feito mas apenas sabe que funciona? Parece que sim, porque as explicações são não apenas mais presentes e mais constantes, mas mais bizarras e esotéricas. Não basta ser bom, tem que parecer bom, como se cada linha fosse cuidadosamente pensada, cada rabisco estafantemente redesenhado, tudo para defender o valor do trabalho daquela famigerada frase que diz “ah, até eu faço”, mostrando as teorias de Arnheim/Balzac/Rubinho Barrichello para justificar o vidro de talco de dois metros de altura feito com celofane.

    Mas dada a qualidade (leia picaretagem) de uma leva enorme de artistas e designers, a quem vamos culpar?