Mulheres de cabelos longo sorridentes no café da manhã. Vão de um lado a outro com as madeixas reluzentes, espalhando-as sobre os ombros com as mãos enquanto esperam a chaleira apitar. Servem o café jogando a cabeça de um lado para o outro, o cabelo voando sobre a manteiga, os pães.
– Mããããããããnhêêêêêêê!!!!!!!!! Tem cabelo no meu cereaaaaaaaalll!
Volta e meia eu ouvia dois colegas de trabalho conversando em inglês. Estranhamente sentia uma vontade absurda de levantar com o dedo indicador em riste, um livro seguro pela outra mão próximo ao peito, e gritar “The BOOK is on the table! THE TABLE!”. Isso com uma entonação grave e dramática na voz, como quem profere palavras de grande sabedoria.
Já teve paciência para ler um texto de exposição? Eu já. Por várias vezes me perguntei se aquele texto era mesmo daquela exposição. Já entrei na galeria todo animado atrás da coleção onde eu devia experenciar (sic) um retorno ao primitivismo humano, ao âmago do meu ser conflitando com minha infância, mas só vi umas latas de tinta riscadas por pregos, uns pedaços de madeira sujos de guache e uns soldadinhos de plástico colados no chão. Já pensei em abrir processo por propaganda enganosa mas só de pensar em ter que ouvir mais retórica do sujeito de boina e cavanhaque tive calafrios. Achei melhor fazer uma retirada honrosa e guardar o folder na lixeira.
Repare como a qualidade do texto acaba sendo inversamente proporcional à qualidade da obra. Ou nem isso: a exposição pode até ser boa mas o texto promete tanto uma reação pluri-extática transcedental que fico decepcionado por sair da galeria sem meus orgasmos.
O mesmo para justificativas de designers ao apresentarem suas novas marcas. Aqui o desenho remete aos valores fundamentais da empresa como seriedade e solidez, e passa um sentimento de alegria e receptividade tântrica exponencial a cada olhada. E ao olhar para o papel tudo que você consegue ver são dois traços azuis e uma curva suspeitamente parecida com a marca da Nike.
Há alguma vergonha em admitir que a arte – e porque não o design – se dá às vezes por felicidade do acaso? Por um conhecimento acumulado por anos que simplesmente saiu na forma de uma obra de arte ou de uma marca interessante, e que você não tem a menor idéia de como isso foi feito mas apenas sabe que funciona? Parece que sim, porque as explicações são não apenas mais presentes e mais constantes, mas mais bizarras e esotéricas. Não basta ser bom, tem que parecer bom, como se cada linha fosse cuidadosamente pensada, cada rabisco estafantemente redesenhado, tudo para defender o valor do trabalho daquela famigerada frase que diz “ah, até eu faço”, mostrando as teorias de Arnheim/Balzac/Rubinho Barrichello para justificar o vidro de talco de dois metros de altura feito com celofane.
Mas dada a qualidade (leia picaretagem) de uma leva enorme de artistas e designers, a quem vamos culpar?
Não precisa recarregar a página, a imagem está aí. Aí em cima. Logo acima dessa linha. Viu agora? Esse espaço em branco*. É uma pintura de Cy Twombly. Sacou a profundidade? O conceito?
Nem eu. E nem quero. A verdade é que hoje é legalzinho falar água para tudo, principalmente em arte. Meia dúzia de frases quase coerentes servem para explicar e validar qualquer coisa.
– Prove!
Tudo bem. Então, a pintura acima é niilista: busca o aniquilamento da condição humana pela recusa em ater-se à representação de sua figura, relevando apenas o ser. É uma citação direta a 4’33” de John Cage em sua tensão pós-apocalíptica surgida depois da explosão da primeira bomba atômica.
– Uau!
Obrigado, obrigado. Não é difícil, só requer que você pare de dançar pagode e vá ler um pouco. E nem é preciso entender o que lê, apenas saber pegar umas palavras e enumerar. Tenho certeza de que uma geração inteira de críticos e curadores foi feita em cima disso, essas bestas.
Pensando bem há um conceito sim, talvez a base de quase toda a arte moderna: o tédio, que se manifesta infinitamente nesses trabalhos. O artista conceitual deve ser uma pessoa profundamente entediada que se resignou a isso.
—-
Arthur Danto disse que chegamos ao fim da história da arte. Na verdade, o que ele quis dizer é que não existem mais movimentos, ou “ismos”, como existia antigamente: impressionismo, cubismo, fauvismo e por aí vai. Eu faço uma vênia e discordo respeitosamente. Vivemos um ismo, sim, que começou logo após a Pop Art. Chamo carinhosamente de Vulgarismo ou Banalismo, e é essencialmente um Dadaísmo apático e entediado que pega tampinhas de garrafa e as cola na parede da galeria.
—-
E por quê precisamos de texto afinal? A boa arte devia ser mais uma apreciação do que criada apenas para sustentar um discurso. Aliás, se sua obra precisa de um discurso para ser vista você já fracassou. Pegue seu quadro e use-o para assustar criancinhas no halloween.
– Eu sou a inconsciência coletiva da luta de classes! Waaaaaaaah!
– Manhêêêêêêêêêêê! Faz ele parar!
– Calma filho, é só um artista plástico.
—-
Como assim, que sou eu para falar desse jeito? Sou rei de Nihitélia, nascido no Renascimento e criado à base de Toddynho. Kneel before Zod!